terça-feira, 1 de dezembro de 2009

FILME 3: Tópicos de debate para "Fanny & Alexander", I. Bergman

Fanny & Alexander
Igmar Bergman
apresentado por Margarida Tavares

Em Fanny & Alexander, Ingmar Bergman cria um filme denso, com diversas camadas, onde o realizador fala da sua vida pessoal, da relação do real com o fantástico, da verdade e da mentira, de teatro e de cinema. O filme, na sua complexidade, tem muitas linhas de leitura possíveis. Aquela que me proponho enfatizar está centrada na presença do teatro dentro do filme:
1. O teatro e o realizador – carga autobiográfica – o protagonista, Alexander, faz remeter o filme não só para o universo da infância mas para a infância do próprio realizador – sinais disso: o fascínio que Alexander mostra pelo poder evocativo das imagens, das palavras e do teatro; a presença obsessiva da figura do Pai, tanto na omnipresença do pai que se estende para além da morte, como na figura do pai-substituto que o atormenta; o medo que “aprisiona” Alexander…
2. O teatro enquanto lugar da acção – o teatrinho de papel que entretém Alexander no início do filme; as cenas que se desenrolam no espaço do teatro da família Ekdahl - a cena de natividade, o ensaio da nova produção do teatro, Hamlet… - o teatro é, a par com a lanterna mágica e com os livros, o espaço mágico por onde Alexander transita como se de um contínuo com a vida se tratasse.
3. O teatro enquanto lugar das máscaras – a temática da identidade presente na permanente alusão à máscara (personagem) – Carl Ekdahl sente-se como um Hamlet, príncipe deposto – Óscar Ekdahl é um fantasma antes de o ser (no momento da morte, representa no teatro o Fantasma da peça; antes de partir diz a Emilie que nunca os deixará e agarra-se ao braço de Alexander como um vivo que já é morto) – o Bispo diz a Emilie que ela usa tantas máscaras que não sabe quem é, enquanto ele, Bispo, tem apenas uma máscara que lhe está colada à carne – Isak, quando vai a casa do Bispo buscar as crianças, representa o papel do judeu servil - Aron diz que o mundo é feito de realidades, umas por fora das outras…
4. Textos de teatro como intertextos do filme: Hamlet, de Shakespeare - com uma presença directa na acção do filme (os ensaios da peça) e indirecta (na temática do fantasma do pai/padrasto; na temática do príncipe deposto – Carl deposto pelo irmão nos negócios da família, Óscar deposto pelo Bispo que, logo no próprio funeral, planeia casar com Emilie; Alexander que é deposto pelo Bispo no seu lugar junto da mãe…). O sonho, de Strindberg[1] - com uma presença essencialmente temática – o que é Real e o que é Sonho; o que é Verdade e o que é Mentira – e uma alusão directa, no final, quando Emilie dá o texto de Strindberg a Helena para esta o ler e o encenarem na próxima temporada do teatro.


[1] Na sua biografia literária, Lanterna Mágica, Bergman conta que viu esta peça pela 1ª vez quando tinha doze anos e que foi a primeira vez na sua vida que presenciou “a magia da arte de representar” (p. 40); ao longo da sua vida encenou esta peça 4 vezes.