sexta-feira, 16 de outubro de 2009

6ª SESSÃO - Blade Runner

Realização: Ridley Scott
Ano: 1982
Duração: 117 min.

Exibido a 29 de Novembro de 2007


Debate conduzido por Luísa Arroz Albuquerque
Tema do debate : MEMÓRIA, IDENTIDADE E TECNOLOGIA


O longo plano – sequência inicial do filme – apresenta-nos Los Angeles em 2019. Lentamente vamo-nos aproximando da cidade, à medida que chaminés de grandes refinarias industriais explodem à nossa frente. Este lento plano inicial, que valeu a “blade runner” o título da crítica de “blade crawler”, é entrecortado por um pequeno plano relâmpago de um olho no qual se espelha uma dessas explosões. Após esta apresentação neo-noir da cidade do futuro, entramos nos escritórios da Tyrell Corporation onde um replicante – um robot aparentemente humano – é submetido a um teste de Voight-kampff. As primeiras cenas de Blade Runner dão-nos as indicações temporais (2019), espaciais (Los Angeles) e o tema central do filme: distinguir humanos e replicantes. Deckart (Harrison Ford), que aparece pouco depois numa movimentada rua de Los Angeles, é um Blade Runner, um polícia especializado na caça aos replicantes que fogem das colónias “Off World” e regressam indevidamente à terra. O argumento do filme é adaptado da história de Philip K. Dick, Do Androids Dream of Electric Sheep?, uma desconstrução das noções de tecnologia, simulacro e identidade. Obviamente que há diferenças entre o filme e a história em que este se baseia. K. Dick valoriza as consequências ambientais do desenvolvimento tecnológico e a sobrevalorização da biologia natural, numa sociedade em que os andróides estão por todo o lado. Na adaptação de Scott, os replicantes (andróides) estão proibidos na terra, depois de um motim, que origina não só a proibição, mas a introdução de uma longevidade máxima de quatro anos, impedindo-os de criarem emoções e memórias. Este é, aliás, o motivo pelo qual, Zhora (Joanna Cassidy), Pris (Daryl Hannah) e Roy (Rutger Hauer) regressam à terra: tentar junto do criador alargar a sua longevidade. No entanto, o eco-desastre está presente no caos urbano, no ambiente poluído, na densidade populacional e na industrialização pesada que constituem o cenário do filme. A questão central do filme é, antes de mais, a natureza do humano num futuro pós-moderno, no qual a hibridação homem-máquina, a engenharia genética e a nanotecnologia atingem todo o seu potencial, recriando seres naturais que o desenvolvimento tecnológico erradicou da terra em clara ruptura ambiental. A cena chave que introduz esta questão está dada no diálogo entre Deckard e Tyrell, o criador do novo Nexus 6, após o teste a Rachel (Sean Young):

Tyrell: Commerce is our goal here at Tyrell. More human than human is our motto. Rachel is an experiment, nothing more. We began to recognize in them a strange obsession. After all, they are emotionally inexperienced with only a few years in which to store up the experiences which you and I take for granted. If we give them the past, we create a cushion or pillow for their emotions and consequently we can control them better.
Deckard: Memories. You’re talking about memories.


No fundo, falamos de memória e identidade, de um passado que humaniza os replicantes mas também de todo o aparato técnico que manipula a percepção: a imagem, a fotografia, o filme e a simulação de um passado. Não por acaso, existem vários planos que focam os olhos e a visão. A diferença entre a aparência e a essência dos andróides estabelece-se exactamente na memória e na identidade. O simples “penso, logo existo”, que distingue o ser humano de todo o mundo animal, poderia ter-se tornado em Blade Runner em “sinto, logo sou humano”. Mas como podemos observar nas frases finais de Roy, também esse moto se pode aplicar aos replicantes.
Blade Runner é, a par do romance de William Gibson, Neuromancer, um dos marcos iniciais do género cyberpunk na ficção científica. Quando foi lançado em 1982, Blade Runner foi um fracasso comercial tendo sido rapidamente retirado das salas. Foi através do circuito de aluguer de vídeo e da exibição da televisão que Blade Runner se transformou num filme de culto, tendo sido eleito recentemente como um dos filmes mais importantes do século XX. Envolvido em polémica, e sem o acordo do realizador, a Warner Bros lançou em 1991 a versão do Director’s Cut que retira a voz off e modifica o final. Para Dezembro deste ano está previsto o lançamento da versão Director´s Cut[1], desta vez com o acordo de Ridley Scott.




[1] O “Final Cut” de Blade Runner passou a estar disponível num DVD de dois discos, nas edições Castello Lopes, a partir de Dezembro de 2007. No disco 1, encontra-se a cópia do filme restaurada, assim como sequências novas, efeitos especiais e comentários de Ridley Scott; no disco 2, encontram-se cenas que tinham sido excluídas e um documentário sobre o “making of de Blade Runner”.